Minha mãe havia chegado para passar o Natal conosco. A cidade estava cheia, contagiada com o clima festivo. Numa época em que as ligações interurbanas ainda eram muito caras – e ter uma linha telefônica era algo impensável para pessoas pobres como nós – a comunicação com ela se dava por cartas. Muitas informações sobre os acontecimentos dos meses anteriores foram omitidas. As missivas contavam superficialmente o ocorrido.
Eu estava sentado no meu carro de pedal em frente à casa do Murilo. Aproveitávamos a sonatinha e os discos trazidos de São Paulo. Não podíamos mexer em nada para não quebrar, mas costumávamos pedir para alguém mais velho colocar os discos para a gente. Entre os LPs que o Murilo gostava de repetir estava um do Jimmy Cliff intitulado: Follow my mind. Era um disco de 1976, mas o Murilo agia como se fosse a maior novidade. Na capa o Jimmy Cliff parecia estar sentado numa cadeira velha com o encosto voltado para a frente. O Murilo nem ouvia o lado A completo, ficava repetindo a primeira canção, Look at the mountains. Eu já estava meio enjoado. Toda vez que ele ouvia:
♫ Mama look at the mountain ♪
O poliglota tentava acompanhar cantando:
♪A maluca do mangue ♫
Mas é maldade minha fazer deboche do inglês do meu amigo. Não só pelo fato dele ser apenas dois anos mais velho do que eu, mas também porque era assim que todos no bairro cantavam a música naquela época.
– Jota Efe! – Gritou minha mãe, lá do meio da ladeira.
Eu sabia do que se tratava. Era hora de tomar banho para visitar Vó Santa, minha bisavó.
Seu nome cristão era Maria Santa Souza, por isso eu a chamava de Vó Santa, para diferenciar da minha avó. Contam os mais velhos que no dia do casamento o padre perguntou o nome da noiva. Como ela – índia do tronco macro gê – não possuía registro cristão, meu bisavô (um português recém-chegado à Terra Brasilis) teria dito: “Maria”.
– Maria de quê? – Perguntou o padre.
– Maria Santa. – Respondeu José Alves de Souza, meu bisavô.
A tara dos portugueses pelas nativas de Pindorama já havia sido registrada na carta de Pero Vaz. Caminha escreveu que nessa nova ilha os nativos possuíam “corpos formosos” e moças “tão bem-feitas (…) que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, lhes faria vergonha por não terem a sua como a dela”. Mas essa foi apenas a primeira observação. Durante o período colonial se tornou comum o casamento entre portugueses e índias.
A Igreja Católica encontrava dificuldades para catequizar um povo adepto da poligamia. Os colonos, por sua vez, buscavam fortalecer as relações de poder. Para isso uniam-se às filhas dos mais respeitáveis membros das tribos. Um bom exemplo dessas relações está na história de João Ramalho. Ele foi um dos que sobreviveu aos primeiros 30 anos de colonização. Havia deixado esposa em Portugal, mas, aqui na boa terra, se casou com Bartira, filha do cacique Tibiriçá. Segundo o Padre Manoel de Nóbrega, Ramalho teve outras esposas e muitos filhos; andava nu e deixava a barba grande e descuidada.
Pelo sim ou pelo não, assim ficou batizada a minha bisavó desde aquele dia. O padre aceitou as informações que lhe foram passadas e celebrou o casamento. Tiveram sete filhos. Mas José Alves, barbeiro sem muitos recursos, morreu antes da minha mãe nascer. Maria Santa morava agora com a filha caçula, e era para lá que iríamos.
♫ Mama look at the mountain ♪
O poliglota tentava acompanhar cantando:
♪A maluca do mangue ♫
Mas é maldade minha fazer deboche do inglês do meu amigo. Não só pelo fato dele ser apenas dois anos mais velho do que eu, mas também porque era assim que todos no bairro cantavam a música naquela época.
– Jota Efe! – Gritou minha mãe, lá do meio da ladeira.
Eu sabia do que se tratava. Era hora de tomar banho para visitar Vó Santa, minha bisavó.
Seu nome cristão era Maria Santa Souza, por isso eu a chamava de Vó Santa, para diferenciar da minha avó. Contam os mais velhos que no dia do casamento o padre perguntou o nome da noiva. Como ela – índia do tronco macro gê – não possuía registro cristão, meu bisavô (um português recém-chegado à Terra Brasilis) teria dito: “Maria”.
– Maria de quê? – Perguntou o padre.
– Maria Santa. – Respondeu José Alves de Souza, meu bisavô.
A tara dos portugueses pelas nativas de Pindorama já havia sido registrada na carta de Pero Vaz. Caminha escreveu que nessa nova ilha os nativos possuíam “corpos formosos” e moças “tão bem-feitas (…) que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, lhes faria vergonha por não terem a sua como a dela”. Mas essa foi apenas a primeira observação. Durante o período colonial se tornou comum o casamento entre portugueses e índias.
A Igreja Católica encontrava dificuldades para catequizar um povo adepto da poligamia. Os colonos, por sua vez, buscavam fortalecer as relações de poder. Para isso uniam-se às filhas dos mais respeitáveis membros das tribos. Um bom exemplo dessas relações está na história de João Ramalho. Ele foi um dos que sobreviveu aos primeiros 30 anos de colonização. Havia deixado esposa em Portugal, mas, aqui na boa terra, se casou com Bartira, filha do cacique Tibiriçá. Segundo o Padre Manoel de Nóbrega, Ramalho teve outras esposas e muitos filhos; andava nu e deixava a barba grande e descuidada.
Pelo sim ou pelo não, assim ficou batizada a minha bisavó desde aquele dia. O padre aceitou as informações que lhe foram passadas e celebrou o casamento. Tiveram sete filhos. Mas José Alves, barbeiro sem muitos recursos, morreu antes da minha mãe nascer. Maria Santa morava agora com a filha caçula, e era para lá que iríamos.
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