Um dia aprenderei a calar

Recentemente fiz um daqueles testes de ancestralidade por meio do DNA. Com base nas narrativas da família, eu sabia que tinha sangue negro, indígena e ibérico. Mas descobri coisas interessantes, como raízes judaicas e italianas.

Eu sempre alardeei as minhas raízes indígenas, porque foi isso que sempre se destacou no seio familiar. O exame de DNA, no entanto, demonstrou que sou muito mais negro (21%) do que indígena (7%). Senti muito orgulho dessa ascendência africana. Queria gritar para o mundo.

Cerca de um mês após receber o resultado do exame, fui convidado por um casal de amigos para assistir a um documentário feito por africanos que emigraram para o Brasil. O documentário retrata a vida de três mulheres que, após concluir a faculdade, sobrevivem comercializando roupas no Brás, por não terem conseguido oportunidade em suas respectivas áreas de formação. O preconceito ainda é uma realidade.

Apesar de homem e brasileiro, sou pardo e baiano. Tenho a aparência bem-marcada de um mameluco. Sofro discriminação desde sempre. Uma chefe já chegou a dizer que se preocupava comigo porque eu tenho “essa aparência de nordestino”. Ela achava que eu teria dificuldade para realizar o trabalho, visto que trabalhávamos numa biblioteca.

Já fui parado na rua pela polícia algumas vezes, armas apontadas para a minha cabeça. Sempre por estar caminhando displicentemente. Já fui prejudicado no trabalho, tive algumas oportunidades vetadas, já disseram na minha cara que o problema era a cor da minha pele. Em resumo, o preconceito e a discriminação são constantes em minha vida.

Tão logo acabou a exibição do documentário, eu estava eufórico, queria ir falar com a equipe que produziu, com a plateia que assistiu à exibição comigo. Não fui. Fiquei conversando com o casal de amigos que havia me convidado. Comentei que, “se eu que tenho 21% de DNA africano já sou discriminado pelo marcador social que é a cor da minha pele, imagine aqueles nobres colegas que possuem um marcador bem mais visível”.

Na hora não percebi o quanto soava pedante, parecia querer puxar para mim o protagonismo da noite. Não queria. Posteriormente, um amigo – metade do casal que havia me convidado para a exibição – comentou que havia ficado preocupado com a minha fala. Existia o risco de soar ofensivo para aquelas pessoas. Eu parecia querer comparar minha dor à deles. Parecia querer forçar o meu pertencimento àquele grupo.

Fiquei pensando nesse comentário. Não sou branco, não sou indígena, não sou negro. Sou alguém com dificuldade para encontrar pertencimento étnico. Por mais que eu diga que não tive intenção de ofender, meus comentários, se ouvidos por aquelas outras pessoas, todas marcadas pelas suas dores, poderia ser o estopim para alguma desavença.

É preciso aprender a calar. Espero que essa experiência sirva de exemplo para futuras oportunidades.



José Fagner Alves Santos

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