A Dialética do Pertencimento e a Repulsa ao Familiar


Crescer em Ipiaú, uma pequena cidade do interior da Bahia, marcou profundamente a minha infância e adolescência. Naquela época, já se notava a carência de atrativos culturais. Sem livrarias ou cinemas, o máximo que tínhamos eram algumas bancas de jornais, que hoje já nem existem mais. A falta de opções de lazer e o barulho ensurdecedor das festas típicas, especialmente durante o São João, intensificaram meu desejo de partir.

Desde cedo, desenvolvi uma aversão às festividades tradicionais de Ipiaú. O barulho dos aparelhos de som no último volume, que todos os meus vizinhos praticavam, me causava um estresse enorme. O som das bombas, o cheiro de pólvora, a fumaça das fogueiras e a prosa dos bêbados que apareciam sem aviso eram elementos que, para mim, simbolizavam um ambiente hostil. A cada evento, meu desejo de escapar daquela realidade se fortalecia.

Paradoxalmente, quando estou longe da Bahia, sinto saudades das festas típicas, da vida simples e dos amigos e conhecidos. No entanto, essa nostalgia se dissipa rapidamente ao retornar. Ao reencontrar os amigos, percebo que não temos mais nada em comum, se é que algum dia tivemos. Os conhecidos, por sua vez, se recusam a me cumprimentar, e a família, em vez de acolher, apenas aumenta o estresse. A música alta, que nunca cessou, me impede de ouvir meus próprios pensamentos, tornando o retorno ainda mais doloroso.

Essa experiência pessoal ressoa com a canção "Rock'n' Raul", de Caetano Veloso, em que ele ironiza Raul Seixas por sua tentativa de ser americano:

Quando eu passei por aqui
A minha luta foi exibir
Uma vontade féla-da-puta
De ser americano
E hoje olha os mano
Embora eu nunca tenha desejado ser americano, a Bahia só parece mais atraente quando estou longe. A frase de Veloso destaca a contradição inerente ao desejo de pertencer a um lugar que, em essência, se rejeita. Meu caso não é diferente: a Bahia e Ipiaú parecem lugares ideais quando vistos à distância, mas, uma vez lá, o desconforto e a alienação prevalecem.

Essa dialética do pertencimento revela a complexidade das relações humanas com seus lugares de origem. O desejo de partir, impulsionado pelo barulho e pela falta de afinidade com os conterrâneos, contrasta com a nostalgia que emerge na ausência. No final, a repulsa ao familiar e a saudade à distância são faces de uma mesma moeda, refletindo a eterna busca por um lugar onde realmente possamos nos sentir em casa.

José Fagner Alves Santos

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