Após quatro temporadas e seis anos, a narrativa de My Brilliant Friend retorna à cena inaugural: em plena madrugada, Lenù, aos 60 anos e residindo em Turim, é acordada por uma ligação de Gennaro. Ele anuncia o desaparecimento de sua mãe, Lila. Na abertura da série, Lenù reage rudemente, despejando em Gennaro a raiva acumulada contra sua amiga. Embora há tempos não se vissem, Lenù interpreta a ausência de Lila como um agravo pessoal, um gesto que rompe a promessa de jamais transpor suas histórias para o papel. Movida por despeito e uma necessidade de compreensão, Lenù começa a escrever o relato que compõe a Quadrilogia Napolitana.
O mundo de My Brilliant Friend envolve o espectador tão profundamente que a narração de Lenù — sempre no passado — se integra organicamente ao universo narrativo. Essa consciência da memória existe por um único motivo: sua necessidade de ser contada. No entanto, no ato final, somos lembrados de que a escrita de Lenù é impulsionada tanto pela verdade quanto pelo rancor. Ferrante alerta, nas últimas linhas de A história da menina perdida, que "a vida, ao passar, inclina-se para a obscuridade, não para a clareza". O relacionamento entre Lenù e Lila permanece enigmático, sem respostas definitivas ou resoluções finais. Tina desapareceu, e agora Lila também — indo para onde, ninguém sabe.
Em "Restitution", o episódio final, a trama começa algum tempo após o sumiço de Tina. Lenù exibe um novo corte de cabelo, mas as transformações mais significativas não são superficiais. Lila, devastada pelo desaparecimento da filha, entrega seu computador pessoal para Lenù e suas filhas, anuncia sua retirada dos negócios e termina seu relacionamento com Enzo. Deseja apenas "perder tempo". Esse colapso reflete seu temor das fronteiras dissolvidas, uma luta constante contra a fusão das coisas. A tragédia a esvazia de vontade, e o desaparecimento de Tina acelera sua rendição ao caos.
A narrativa mistura a dissolução emocional de Lila com os dilemas de Lenù. Enquanto Lila se desliga do mundo, Lenù se volta para os conflitos e desafios de suas filhas, embora não consiga se envolver completamente. A conexão fragmentada com suas filhas é exemplificada no caso de Dede e Gennaro, cuja proximidade romântica preocupa Lenù. Em meio a essas tensões familiares, o fantasma de Pasquale reaparece, preso por acusações que levantam dilemas morais para Lenù, levando-a a buscar ajuda em Nino Sarratore. A interação entre eles, carregada de subtexto, revela o cinismo de Nino, cuja corrupção e desonestidade são finalmente expostas.
A jornada culmina em momentos de confronto. Lenù enfrenta o comportamento impulsivo de Elsa, sua filha, que foge com Gennaro, criando um rastro de complicações e angústias. Mesmo assim, Lenù continua dividida entre o papel de mãe e sua obsessão pela figura de Lila. Essa dualidade a define, assim como define a narrativa que seguimos.
A cena final entre Lenù e Lila é carregada de melancolia e resignação. Lila, consciente de sua iminente partida, rejeita a ideia de escrever sua própria história, argumentando que "para escrever, é preciso desejar que algo sobreviva a você". Essa declaração ecoa sua decisão de apagar-se do mundo, tanto física quanto simbolicamente. Ao se despedirem, a ausência de resolução entre elas torna-se a marca indelével de sua relação: uma amizade tão vital quanto impossível de compreender por completo.
No fim, My Brilliant Friend permanece fiel à complexidade de suas protagonistas. A história que Lenù escreveu não fornece respostas claras, mas perpetua o mistério, convidando-nos a refletir sobre os limites da memória, da amizade e do ato de narrar.
José Fagner Alves Santos
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