Acordei às 2h45. O ar estava abafado, e o suor tornava a cama incômoda. Não era o abrasador calor de Ipiaú, mas foi o suficiente para me levar ao chuveiro. A água trouxe um rompimento apenas momentâneo. Voltei ao quarto, inquieto, e esperei pelo nascer do sol. Decidi ouvir um podcast sobre Annie Ernaux enquanto a clareza invadia lentamente a sala.
Naqueles momentos solitários, minha mente vagava. Pensei em como o distanciamento transforma as relações. Os amigos de infância, que tanto me são caros, tornaram-se quase estranhos. Entre eles, Alexandro – Sandro, como o chamávamos – alguém que eu não via há mais de 15 anos.
Dois ou três anos atrás, movido pelo desejo de resgatar algum elo perdido, sugeri a ele o livro Graça Infinita, de David Foster Wallace. Era uma obra que me fascinou desde que li o ensaio Pense na Lagosta, publicado na Revista piauí. Achei que ele também se encantaria. No entanto, cometi um erro fundamental: não considerei o mundo de Sandro.
Com abordagens pontuais, ele sempre preferiu histórias em quadrinhos. Não digo isso depreciativamente – eu mesmo sou um entusiasta da nona arte. Mas Graça Infinita requer um tipo de leitura que exige treino. Ignorando a realidade dele, julguei meu amigo pela régua dos meus próprios interesses. Como era de se esperar, ele abandonou o livro após poucas páginas.
Quando percebi minha insensibilidade, senti-me profundamente entristecido. Decidi tentar novamente, mas com mais cuidado. Recomendei Tonico, de José Rezende Filho, publicado na Coleção Vagalume. A escolha, contudo, também foi mal interpretada. Sandro achou que eu estava subestimando sua capacidade cognitiva. Ainda assim, resolveu dar uma chance ao livro.
O encantamento foi imediato. Ele devorou a história e, emocionado, quis discutir cada detalhe comigo. Passamos horas ao telefone debatendo as nuances da trama, admirados de como um livro tão breve consegue refletir tanto da realidade brasileira. Para mim, foi um revigorante. Finalmente, havíamos reencontrado um terreno comum.
Pouco tempo depois, o falecimento do pai de Sandro fez com que ele voltasse a se isolar. Provavelmente está vivendo o luto e precisa de espaço. Respeito o seu momento e agradeço por ele ter feito parte da minha história. Espero que, onde quer que você esteja, continue descobrindo o prazer da leitura.
José Fagner Alves Santos
Postar um comentário